Reflexões sobre a práxis do psicólogo em um centro de referência de assistência social

Reflections on the practice of the psychologist at a social assistance reference center

Recepción del artículo: 12-08-2023  |   Aceptación del artículo: 12-01-2024

 

 

1Ana Carolina Valeriote de Oliveira Coelho Icono

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anacvaleriote@gmail.com

2Lucas Guilherme Fernandes Icono

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lucasguilhemefernandes@gmail.com

1,2,UniRedentor/Afya, (Brasil)

 

Para referenciar este artículo: Valeriote de Oliveira Coelho, A. C. y Guilherme Fernandes, L. (2024). Reflexões sobre a práxis do psicólogo em um centro de referência de assistência social. Revista ConCiencia EPG, 9(1), 251-261. https://doi.org/10.32654/ConCiencia.9-1.14

Autor corresponsal: Ana Carolina Valeriote de Oliveira Coelho anacvaleriote@gmail.com

 

 

 

Resumo

A

 partir de uma experiência de estágio supervisionado, o presente trabalho objetiva refletir sobre a práxis do psicólogo no CRAS e compará-la com outras discussões já presentes na literatura. Por meio de uma abordagem qualitativa e uma análise documental, identifica-se discrepâncias entre as recomendações da literatura e a inserção da psicologia nos dispositivos, sendo elas: a) atendimento realizado de forma mecânica e superficial; b) manejo de acolhimento insuficiente; c) déficit nas interações inter-equipe, gerando falhas na comunicação e comprometendo os serviços prestados; d) excesso de burocracia aplicada ao trabalho do profissional de psicologia, gerando pouca participação em atividades socioeducativas e de caráter intergeracional; e, por fim, e) uma gestão insuficiente na unidade que dificulta não só a atuação do psicólogo, como de toda equipe. Portanto, conclui-se que é necessário promover uma reflexão crítica acerca dessas disparidades, investindo na qualificação dos psicólogos e dos funcionários que compõem a equipe administrativa dos Centros de Referência, a fim de possibilitar o suporte dotado de compromisso ético-político aos usuários. Além disso, fortalecer a integração entre a formação acadêmica em psicologia daqueles que ainda estão nas instituições de ensino superior e as práticas desenvolvidas no CRAS é fundamental para aprimorar a qualidade dos serviços prestados.

 

Palavras-Chave: CRAS; Estágio; Psicologia.


BAbstract

ased on a supervised practice experience, this paper aims to reflect on the psychologist's praxis at a CRAS and compare it with other discussions already available in the literature. Through a qualitative methodology and document analysis, some differences were identified between the recommendations in the literature and the insertion of psychology in the CRAS: (a) assistance performed in a mechanical and superficial format; (b) insufficient reception management; (c) deficit in inter-team interactions, generating failures in communication and compromising the services provided; (d) excessive bureaucracy applied to the work of the psychology professional, generating little participation in socio-educational activities and of an intergenerational nature; and, finally, (e) insufficient management in the unit that hinders not only the performance of the psychologist, but of the entire team. Therefore, it is concluded that it is necessary to promote a critical reflection about these disparities, investing on the qualification of psychologists and employees who make up the administrative team of the Reference Centers, in order to enable support endowed with ethical-political commitment to users. In addition, strengthening the integration between the academic training in psychology of those who are still in higher education institutions and the practices developed in CRAS is essential to improve the quality of services provided.

Key words: CRAS; Psychology; Supervised practice.

 

O Introdução

 Centro de Referência de Assistência Social, comumente denominado pela sigla CRAS, caracteriza-se como um dispositivo regido pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) responsável pela execução de serviços de proteção social básica de modo direto às famílias e indivíduos que se encontram em situações de vulnerabilidade (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004), por intermédio da promoção de programas e projetos de acolhimento, socialização e convivência.

Oliveira, Nascimento, Araújo e Paiva (2016) ressaltam que outras atribuições do CRAS englobam: a) a oferta do Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF) visando fortalecer os vínculos familiares mediante as singularidades e heterogeneidades das famílias; b) divulgação de informações e orientações que auxiliem os usuários a exercerem a cidadania; c) o mapeamento da rede pública e o encaminhamento dos usuários - quando necessário - para outros serviços com o intuito de corroborar para a sistematização das informações obtidas e possibilitar a articulação das demais políticas de assistência social, facilitando o desenvolvimento das atuações intersetoriais; e d) atuação na prevenção de situações que representem riscos em potencial.

Devido à heterogeneidade existente nas demandas dos núcleos familiares e usuários, estes são atendidos e acompanhados por uma equipe de referência interdisciplinar constituída por técnicos de nível médio e superior que possuem formação em serviço social, psicologia ou outras especialidades que compõem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como pedagogos e sociólogos (Koelzer, Backes, & Zanella, 2013). Faz-se necessário pontuar que a formação deve ser compatível com a função exercida e as intervenções que serão realizadas pelo profissional no dispositivo (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004).

Apesar da inserção da psicologia na assistência social fundamentar-se após o término da ditadura militar e princípio da reorganização da seguridade social no Brasil, na década de 80 (Oliveira et al., 2016), a atuação no SUAS consolidou-se enquanto obrigatória somente com a promulgação da Resolução nº 17/2011 que promoveu a atualização da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (Sistema Único de Assistência Social, 2011). No CRAS, os psicólogos devem pautar suas ações compromissadas com o viés crítico político visando a promoção da equidade, garantia de direitos, enfrentamento de violências e desigualdades através da escuta ativa, acolhimento do usuário e promoção de atividades que fortaleçam o vínculo e a autonomia dos sujeitos (Conselho Federal de Psicologia, 2008; Duarte & Areosa, 2020).

Ademais, destaca-se que por tratar-se do âmbito público, não é de alçada do profissional de psicologia pautar o trabalho sob um viés clínico, sendo as principais atividades de sua responsabilidade: 1. Desenvolvimento de intervenções relacionadas às especificações de cada usuário ou núcleo; 2. Facilitar os processos de promoção de autonomia e desenvolvimento das potencialidades já existentes inter e intra indivíduos, sejam eles dentro das próprias construções familiares ou entre indivíduos da comunidade; 3. Incentivar ambientes de integração entre as vivências, bem como atividades socioeducativas e mobilização social; e, por fim, 4. Promover o acolhimento dos usuários nos momentos de atendimento e entrevistas (Conselho Federal de Psicologia, 2007).

Embora as orientações que norteiam a inserção e atuação do psicólogo na Assistência Social sejam descritas nas Referências Técnicas elaboradas pelo Conselho Federal de Psicologia, Duarte e Areosa (2020) ressaltam a perpetuação das dificuldades em definir as atividades que circundam a prática desses profissionais. Conforme exemplificado por Sousa, Medeiros e Silva (2021) a persistência na adoção de métodos convencionais no campo da psicologia contribui para a reprodução de uma práxis distanciada do contexto psicossocial dos indivíduos os quais, no âmbito do CRAS, se encontram imersos em um cenário de vulnerabilidade. Tais dificuldades evidenciam falhas de natureza acadêmica e no âmbito institucional, dificultando o acolhimento e concessão de subsídios úteis para a formulação de políticas articuladas com as demandas do público–alvo do dispositivo (Florentino & Melo, 2017; Martins & Silva, 2020). Mais especificamente, enquanto as falhas acadêmicas englobam a formação demasiadamente voltada às demandas do campo clínico-individual e que contradizem em relação às realidades encontradas nos serviços de Assistência Social, as do campo institucional relacionam-se às condições de infraestrutura, insuficiência de materiais e meio de locomoção para a realização de visitas domiciliares. Além disso, a atuação do psicólogo pode ser impossibilitada de ser plenamente exercida devido à gestão municipal e da unidade (Sousa et al., 2021).

Assim sendo, partindo de uma experiência de estágio supervisionado em psicologia em um CRAS situado no município de Itaperuna, interior do Rio de Janeiro, no período de março a maio de 2023, o objetivo do presente relato é refletir sobre a práxis do psicólogo no CRAS e compará-las com dados coletados durante o levantamento bibliográfico, perpassando pelos desafios na formação e funcionamento do próprio CRAS. A fim de resguardar a identidade dos profissionais envolvidos no presente relatório, optou-se pela omissão da localidade da unidade em questão.

Contexto de atuação

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021) prevê, em seu portal da transparência, que a região contemplada pelo município de Itaperuna dispõe de aproximadamente 104.354 habitantes. Em virtude da capilarização dos Centros de Referência de Assistência pelo território e a recomendação da PNAS (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004) acerca da implantação das unidades nas localidades que detém vulnerabilidade, o CRAS - objeto do presente trabalho - possui porte grande e abrange as seguintes áreas: Aeroporto, Boa Fortuna, Bom Pastor, Matadouro, Vale do Sol, Boa Ventura, Nossa Senhora da Penha, Aré e as zonas rurais (Cavinha, Bambuí, Ilha do Ciro, Córrego da Chica e Estrada Teixeirão). Conforme as informações coletadas do Registro Mensal de Atendimentos (RMA), que alimenta as verbas enviadas do estado para o município, a média de atendimentos e serviços realizados de dezembro a março de 2023 podem ser observados na tabela 1.

Tabela 1

Média de famílias, visitas domiciliares e benefícios concedidos mensalmente

Variável 

Média 

Famílias acompanhadas pelo PAIF 

200

Novas famílias 

10 a 20

Atendimentos particularizados 

300

Visita domiciliar 

20

Concessão de benefícios eventuais (auxílios alimentação e gás)

150

Concessão de auxílio natalidade 

5

 

A partir do mapeamento dos funcionários que trabalhavam no setor administrativo (coordenação e recepção), obteve-se que a unidade se constitui de uma equipe com as seguintes especialidades: 1 coordenadora de nível superior formada em Assistência Social e 4 técnicas sociais com ensino superior. Dentre as técnicas, têm-se as seguintes formações: 1 psicóloga, 1 pedagoga e 2 assistentes sociais. Ademais, tem-se os funcionários que constituem a equipe administrativa, volante e de serviços gerais, sendo: 3 recepcionistas, 1 motorista e 2 auxiliares de serviços gerais.

 No âmbito das atividades de caráter socioeducativo, são ofertados cursos de barbeiro, padeiro, garçom e bordado. Embora a equipe tenha relatado não existir muitos interessados, nota-se que a divulgação é insuficiente dado que as únicas formas de contato com o dispositivo são via telefone (WhatsApp e ligação) e presencialmente, estando a disseminação das informações condicionada a esses meios. Logo, seria a real falta de interesse ou o não conhecimento sobre os serviços disponíveis? Para o público de faixa etária de até 14 anos, as opções de atividades de convivência são: aulas de violão e xadrez, oficinas de teatro, educação física, capoeira e ballet. Além disso, em datas comemorativas são realizadas celebrações simbólicas, contendo elementos que remetam ao significado do evento; como exemplo, na semana de páscoa a equipe enfeitou o local com figuras de coelho.

Ademais, as visitas domiciliares são executadas de forma breve, estando vinculadas às informações necessárias para preenchimento de parecer técnico. Outrossim, durante o período de estágio, estas foram  realizadas somente em quatro ocasiões, sendo elas: a) quando um novo usuário passava a ser acompanhado pela unidade; b) para a entrega do auxílio alimentação; c) atualização dos dados do Cadastro único; d) entrevistar possíveis usuários aptos para a concessão de aluguel social. Cabe ressaltar que foram realizadas outras visitas pelas assistentes sociais do local objetivando o acompanhamento de famílias do PAIF, contudo, devido à obrigatoriedade das visitas da estagiária serem realizadas junto à psicóloga, os acompanhamentos reduziram-se às atividades supracitadas.

Orientações versus práxis

Os primeiros dias destinaram-se à ambientação dos serviços que são realizados no Centro de Referência de Assistência Social e a as atribuições referentes ao âmbito da psicologia no local as quais - para além das visitas domiciliares - envolvem as seguintes responsabilidades: distribuição de auxílio gás, alimentação e natalidade, além da oferta de orientações e assistência para cadastramento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). De modo geral, os atendimentos são realizados de forma espontânea e por ordem de chegada, com exceção do cadastramento para pleitear o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Nas demandas que envolviam o BPC, o setor administrativo realizava o agendamento para que os usuários retornassem e fossem devidamente atendidos pela técnica social com formação em psicologia uma vez que os atendimentos para o cadastramento do BPC exigem mais atenção e tempo devido às exigências documentais solicitadas no sistema no governo e a necessidade de conferência dos requisitos para o pedido e dos elementos de identificação/comprovação necessários.

No que concerne aos atendimentos, estes são realizados em uma sala específica que pertencem às técnicas sociais, contudo, na divisão de turnos realizada pela própria equipe, as funcionárias se organizam para que tenha ao menos uma pessoa para atender aos usuários. Notou-se ainda, déficits no acolhimento, posto que se estes destinavam a inteirar-se exclusivamente ao motivo da demanda, situação que detinha duração de - no máximo - 5 minutos. Ainda nos casos em que os usuários chegavam ao local angustiados relatando mais pontos de suas vivências de modo voluntário, não eram escutados, mas incentivados a dizerem o porquê estavam ali e a dizerem informações básicas, como nome, renda, atividades remuneradas, quantos indivíduos residem na casa, se já realiza acompanhamento no CRAS e/ou recebe algum benefício do Estado, contribuindo para a mecanização do serviço. Nesse contexto, houve uma quebra de expectativa dado que conforme os achados da literatura (Conselho Federal de Psicologia, 2007; Oliveira et al., 2016; Koelzer et al., 2013; Silva & Corgozinho, 2011; Sousa et al., 2021), esperava-se que fossem realizadas outras ações além de condicioná-las à atuação em um ambiente fechado e permeado de burocracias.

As contradições existentes entre as recomendações da literatura e a práxis observada evidenciaram-se na fala de um dos profissionais: “esqueça tudo que você aprendeu na psicologia”. Tal exemplo ilustra que até mesmo um profissional do local não se coloca em sua posição profissional, resultando em uma prática não alinhada com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Federal de Psicologia (2007), situação que contribui para a construção de uma atmosfera dotada pelo descompromisso social sustentado pela impessoalidade presente no acolhimento. 

Destarte, as visitas realizadas reduziam-se a poucos questionamentos e entrega de cestas básicas. Para Koelzer e demais autores (2013), as visitas domiciliares possuem a função de acolhimento e esquadrinhamento do contexto no qual os usuários estão inseridos, fazendo-se necessário uma escuta ativa efetiva e que, no contexto do CRAS analisado, mostra-se deficiente. Exemplificando, em conformidade ao manejo das demandas que chegavam à unidade de estágio, no acompanhamento de uma visita realizada para determinada usuária que solicitou auxílio gás, só foi pedido sua assinatura no recibo e indagado se a “botija já estava vazia”, revelando a justificativa pela recepção indiferente e mecânica concedida aos sujeitos. Contrapondo-se à experiência relatada por Oliveira et al. (2016) ao passo que as visitas por eles realizadas “dialogavam também com a política de Assistência Social, visto que pretendeu desenvolver potencialidades de cuidado destinadas à criança, ao adolescente e ao idoso, ao fortalecer os vínculos familiares” (p. 39). 

Partindo de uma análise crítica, as entrevistas superficiais e mecânicas enquadram-se como um elemento desafiador na construção de vínculos uma vez que os usuários não são alocados em seu lugar de ser biopsicossocial (Ministério da Saúde, 2007), contribuindo para a perpetuação da percepção - por parte dos usuários - de que o dispositivo retém como finalidade a prestação de favores por intermédio da entrega de alguma espécie de benefício (Sousa et al., 2021). Afinal, essa abordagem limitada utilizada no âmbito da psicologia voltada a poucos questionamentos, recusa o fornecimento de auxílios e suporte no cadastro de BPC sem o acolhimento podem vir a ser efetivos na promoção de mudanças significativas nas condições de vida das pessoas assistidas?

Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2007), uma abordagem que visa romper o ciclo intergeracional de pobreza e vulnerabilidades requer que o trabalho realizado no CRAS considere tanto a superação das necessidades básicas de sobrevivência, como alimentação, moradia e saneamento básico, quanto o reconhecimento das habilidades e capacidades dos indivíduos, famílias e comunidades. Nesse contexto, a atuação do psicólogo não deve ser superficial e distante dos usuários do serviço uma vez que as contribuições do profissional pode incluir a facilitação do acesso às políticas sociais por meio da disseminação de informações relevantes (Martins; Silva, 2020), o que é dificultado quando o profissional de referência desempenha um papel individualizado, pontual e burocrático, incapaz de estabelecer um diálogo efetivo com os sujeitos, dificultando o empoderamento dos usuários (Conselho Federal de Psicologia, 2007).

De igual modo, as contribuições de Duarte e Areosa (2020) demonstram que o (não) saber dos profissionais de psicologia acerca de qual é seu papel dentro da Assistência Social dificulta a realização de intervenções em oficinas e grupos que auxiliem no desenvolvimento desses usuários enquanto sujeitos detentores de direitos. Oliveira e demais autores (2016), Silva e Corgozinho (2011) ressaltam que a inserção do psicólogo no âmbito social e comunitário pode promover o bem-estar dos indivíduos e grupos sociais, buscando sua integração digna na sociedade. No entanto, durante a experiência de estágio, observou-se a prevalência de comentários e atitudes que atribuíam a culpa aos usuários pela situação de vulnerabilidade a qual esses sujeitos se encontram e que estaria relacionada às “consequências de sucessivos erros”. Tal sentença indica a carência de capacitação e empatia se reflete no atendimento, tornando fundamental a adoção da corresponsabilidade no lugar da culpabilização do usuário (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004; Ministério da Saúde, 2007; Conselho Federal de Psicologia, 2007).

Outrossim, notou-se que a equipe administrativa também possui falhas no manejo com os usuários, atendendo-os de modo indiferente e com deficiência na oferta de informações as quais, por vezes, se concedidas da forma certa, permitiriam que algumas demandas fossem resolvidas logo na recepção. O serviço não possui filas e, sendo assim, a justificativa da falta de tempo para escutar o que o sujeito precisa naquele momento não se encaixa. Sob o viés da Política Nacional de Assistência Social (2004) tem-se que a promoção de capacitação a esses funcionários a efetividade na intervenção social e tratamento com o público é uma estratégia viável na mudança de paradigma.

Devido ao despreparo da equipe administrativa e impasses relacionados às habilidades de liderança da gestão do CRAS, observou-se a fragmentação das informações as quais não eram repassadas à toda equipe e/ou eram transmitidas de modo errôneo. Dado a relevância da integração da equipe, ressaltamos que “a falta de clareza gera um contexto marcado por incertezas sobre as tarefas, com sobreposição de agendas e ausência de convergência das ações a serem desenvolvidas no local entre os diferentes atores” (Souza & Bronzo; 2020, p. 70), implicando na qualidade do serviço que é ofertado aos usuários do CRAS. Além disso, a equipe do CRAS demonstra-se fragmentada tão logo o trabalho reduz-se à uma simples execução, gerando o adoecimento e interferindo na qualidade da atenção, já que segundo explicitado na Política Nacional de Humanização, nesses cenários “o envolvimento com o usuário tende a diminuir e o trabalho a se burocratizar” (Ministério da Saúde, 2007, p. 29), influenciando negativamente nas possibilidades de atuação da psicóloga do local os quais, conforme supracitado, baseiam-se em atividades superficiais e burocráticas.

Em virtude de a equipe constituir-se de profissionais em regime de contrato e alternarem de acordo com a gestão municipal, a alta rotatividade dos profissionais do CRAS também contribui para os desafios enfrentados pelo serviço. A falta de continuidade e a constante substituição de funcionários prejudicam a construção de vínculos de confiança com os usuários e a continuidade dos projetos e intervenções, diretrizes que estão previstas na Política Nacional de Assistência Social (Ministério do Desenvolvimento Social, 2004). Para tanto, Andrade e Morais (2017) pontuam que a instabilidade na equipe impacta negativamente na qualidade do atendimento e na efetividade das ações desenvolvidas, cooperando para a precarização do atendimento.

Conclusiones

A prestação dos serviços no CRAS utilizado como base para a produção do presente relatório, revela déficits e contradições em relação às recomendações do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Política Nacional de Humanização e outras experiências relatadas na literatura. De modo sintetizado, foram identificadas discrepâncias significativas entre as recomendações da literatura e a inserção da psicologia nos dispositivos, sendo elas: a) atendimento realizado de forma mecânica e superficial; b) manejo de acolhimento insuficiente; c) déficit nas interações inter-equipe, gerando falhas na comunicação e comprometendo os serviços prestados; d) excesso de burocracia aplicada ao trabalho do profissional de psicologia, gerando pouca participação em atividades socioeducativas e de caráter intergeracional; e, por fim, e) uma gestão da unidade com habilidades de liderança insuficientes que dificultam não só a atuação do psicólogo, como de toda equipe.

Conclui-se que a promoção de reflexão crítica acerca dessas disparidades contribui para discussões acerca do fazer do profissional de psicologia no âmbito da Assistência Social bem como na urgência de oferta de capacitações aos psicólogos e trabalhadores dos setores administrativos operantes nos Centros de Referência. Cabe ressaltar que nenhum funcionário do CRAS observado recebeu qualificação antes de ser alocado no dispositivo. Destarte, sugere-se que a formação continuada realizada prevista na Política Nacional de Assistência Social (2004) seja realizada no município de Itaperuna (RJ) em parceria com instituições de ensino superior, corroborando não só para a disseminação qualificação para uma atuação de qualidade nos Centros de Referência, no fortalecimento da extensão universitária e no desenvolvimento das competências e habilidades aos discentes.

Além disso, nota-se a necessidade de fiscalizações eventuais e efetivas para identificar e reconhecer os serviços prestados por esses dispositivos em Itaperuna (RJ), bem como faz-se necessário a implantação das pesquisas-ação previstas na PNAS (2004), a fim de compreender onde o serviço falha na visão dos próprios usuários e estruturar medidas condizentes com tais demandas.

No que concerne ao âmbito acadêmico, recomenda-se que as instituições de ensino superior estimulem o pensamento crítico dos discentes e ambiente-os sobre como deve ser realizada a prática do psicólogo nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), visando desenvolver a consciência de classe e disseminando informações acerca de outras realidades de atuação para além da clínica.

Outra recomendação relevante é a contratação de profissionais por meio de concurso público, medida que pode contribuir para a construção de vínculos sólidos com os usuários. Por fim, sugere-se que sejam realizadas investigações a fim de levantar a percepção que os profissionais de psicologia do município de Itaperuna (RJ) possuem acerca das ações que devem ser realizadas na Assistência Social a fim de estruturar intervenções que estejam em conformidade com os desafios identificados pela ótica deles, proporcionando a construção de uma práxis eficaz e transpassada pelo compromisso ético-político.


 

Referências

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